Síndrome hepatorrenal (SHR) - Manejo medicamentoso
Considerações iniciais
Definida como: “ aumento na creatinina sérica maior ou igual a 0,3 mg/dL em 48 horas ou aumento da creatinina sérica maior ou igual a 1,5 vezes o valor de base (exame laboratorial deve ter sido realizado a menos de 3 meses)”. Com isso, a síndrome hepatorrenal tornou-se mais real e mais fácil de ser manejada, tendo em vista que seu aparecimento pode ser detectado de forma precoce.
A fisiopatologia é baseada em estudos observacionais, os quais perceberam a associação da cirrose com a retenção de sódio provocando o surgimento de ascite e, consequentemente, a sobrecarga renal por hipovolemia relativa. Com isso, é possível entender a correlação da doença hepática com o acometimento renal.
Tratamento da síndrome hepatorrenal
A síndrome - que antigamente era chamada tipo 1, e na atualidade passa a ser chamada de síndrome hepatorrenal HRS-AKI (hepatorenal syndrome – acute kidney injury) . Assim, ele deve ser iniciado com uso da albumina em 1mg/kg/dia em 2 dias, e altas doses de diuréticos.
MANEJO CLINICO DA SHR
1. Interrupções de agravantes
Suspender drogas nefrotóxicas e/ou que podem agravar hipovolemia ou diminuir fluxo sanguíneo renal, como diuréticos, AINEs, lactulose (se diarreia).
Os betabloqueadores são um ponto controverso devido à importância da manutenção: em geral opta-se pela suspensão se o paciente estiver hipotenso.
Evitar contraste nesse momento.
Considerar a realização de EDA se piora dos níveis hematimétricos ou história sugestiva de hemorragia digestiva;
2. Investigar causas possíveis de descompensação:
Paracentese diagnóstica (evitar nesse momento retirar muito volume para não agravar a situação)
Rasteio infeccioso, EAS, urocultura e USG renal para investigar causas estruturais.
Atenção ao valor de bilirrubina, porque >20mg/dL pode causar nefrose colêmica (bile cast nephropathy).
Considerar NTA se presença de choque;
3.Teste diagnóstico/terapêutico:
Expansão volêmica com albumina 1g/kg/dia durante 2 dias (máximo 100g/dia), se AKI 2 ou 3;
Considera-se resposta adequada quando o paciente retorna para Cr até 0,3mg/dL da basal..
Na ausência de resposta ao teste com albumina e preenchimento dos outros critérios de SHR, indica-se o tratamento com terlipressina.
Apesar da ausência de resposta no teste diagnóstico, deve-se mantida albumina juntamente com a terlipressina, Conforme tabela abaixo:
Como tratar a síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda
A base do tratamento da SHR-IRA é o uso de vasoconstritores. Devem ser utilizados o mais precocemente em caso de suspeita clínica e após a exclusão de diagnósticos diferenciais, o que deve ocorrer idealmente nas primeiras 24 horas. Além disso, os vasoconstritores tendem a ser mais efetivos quando iniciados com creatinina menor que 2,25 mg/dL.
O consenso reforça a terlipressina como medicamento de primeira escolha. Ela parece ser superior à noradrenalina para reversão da IRA, pode ser feita sem necessidade de monitorização e em acesso periférico. Deve ser administrada com cautela em pacientes com sobrecarga volêmica pelo risco de edema pulmonar. Se indisponibilidade, a noradrenalina pode ser utilizada.
A dose inicial da terlipressina é de 2 a 4 mg ao dia de forma contínua. Se não houver redução da creatinina de 25% em 24 horas, pode ser aumentada a dose de 2 mg até uma dose máxima de 12 mg ao dia. A infusão contínua está associada a menos efeitos colaterais quando comparada à dose intermitente a cada 4 a 6 horas.
Observações
Caso a noradrenalina seja usada como vasoconstritor, a meta é aumentar em 10 a 15 mmHg a pressão arterial média base do paciente. Caso a meta não seja atingida, deve-se aumentar a dose a cada 4 horas. A dose recomendada pelo consenso é de 0,5 a 3 mg/h.
A albumina 20–25% deve ser feita em conjunto com o vasoconstritor na dose de 20 a 40 g/dia. Porém, não deve ser iniciada ou deve ser descontinuada se houver evidência de sobrecarga volêmica. A diureticoterapia deve ser considerada nestes casos.
O consenso coloca como critérios de descontinuação dos vasoconstritores:
Apresentações e manejos:
1 - Terlipressina 1 frasco ampola = 1mg de acetato de terlipressina em 1 ml de pó liofilizado + diluente de 5ml
Dose
A terlipressina deve ser administrada por via intravenosa em bolus inicialmente na dose de 0,5 até 2 mg a cada 4-6 horas, conforme momento e otimização. Uma sugestão de dose é descrita a seguir
0,5 mg de 6 em 6h,-> 0,5mg de 4 em 4h ->1mg de 6 em 6h ->1mg de 4 em 4h ->2mg de 6 em 6g ->2mg de 4 em 4h
Alternativmente, especialmente se preocupação com efeitos adversos é fazer dose em bomba de infusão
A diluição: Terlipressina 1mL + SF0,9% 99mL IV em bomba infusora a 8,3ml/h. Alguns protocolos no entanto recomendam começar com 3mg ao dia, com dose aumentada em 1mg a cada 2 dias se não houver melhora, até o limite de 12mg/dia.
Importante: essa solução só tem estabilidade para 12h, de modo que deve ser trocada a cada 12h.
Terlipressina pode ser infundida em acesso periférico.
Suspender se, ao final de 3 dias de tratamento, não ocorrer diminuição da creatinina sérica. Continuar até obtenção da creatinina sérica inferior a 1,5 mg/dL ou diminuição de pelo menos 30% da creatinina sérica em relação ao valor medido no momento do diagnóstico.
2 -Albumina intravenosa (IV)
Albumina humana 20% - frasco de 50 ml contendo 10 g de albumina humana 20% ou frasco de 100 ml contendo 20 g de albumina humana 20%
Dose de 1g/kg no primeiro dia, e na dose de 20 a 40 g/dia, nos demais. Deve-se dividir a dose podendo ser de 12 em 12h ou até 6 em 6h.
ALGORITMO PARA TRATAMENTO DA SÍNDROME HEPATORRENAL
Resposta ao tratamento
A resposta ao tratamento é geralmente caracterizada por uma redução progressiva da creatinina sérica e um aumento da PAM, da diurese e da concentração de sódio sérico. A resposta ao tratamento deve ser avaliada em intervalos de 48 horas sendo definida por redução de ao menos 25% dos valores de CrS com respeito ao valor basal.
Na ausência de resposta:
Na ausência de resposta, recomenda-se aumento gradual da dose da terlipressina a cada 48h até dose máxima de 12 mg/dia (por até 14 dias)
O tempo médio de resposta depende da creatinina sérica pré-tratamento, com tempo de resposta mais curto e maior probabilidade de sucesso nos doentes com valores de creatinina mais baixos. Por cada aumento de 1mg/ dL de creatinina sérica, a probabilidade de reversão do SHR diminui 39%.
O tratamento com terlipressina deve manter-se até redução da creatinina sérica para valores < 1,5mg/dL (resposta completa). Se ao fim de 3 dias a creatinina sérica não descer pelo menos 25%, a dose de terlipressina deve ser aumentada para um máximo de 2mg a cada 4 horas.
Nos casos em que a redução da creatinina sérica observada não é inferior a 1,5mg/ dL (resposta parcial) ou na ausência de resposta, o tratamento deve ser suspenso aos 14 dias.
Avaliação de complicações
Durante a terapêutica vasoconstritora com terlipressina, os doentes devem ser avaliados para o possível desenvolvimento de complicações cardiovasculares ou isquémicas, que ocorrem em cerca de 12% dos doentes tratados, tais como alterações do ritmo cardíaco ou sinais de isquémia esplâncnica ou digital, mas que geralmente são reversíveis com a suspensão da terapêutica.
Contraindicação
A Terlipressina está contraindicada em doentes com cardiopatia isquêmica, arritmias cardíacas, doença cerebrovascular ou doença arterial periférica. Deve ser monitorizada a pressão arterial, os sinais vitais, a diurese e, idealmente, a pressão venosa central para avaliar o balanço hídrico e prevenir a sobrecarga de volume.
A resposta global ao tratamento com Terlipressina e albumina
A resposta ao tratamento da SHR com vasoconstritores e albumina atinge cerca de 40 a 50% dos pacientes e a taxa de recorrência é de 30%. O tratamento definitivo da disfunção hemodinâmica e da doença hepática de base é o transplante hepático, que deve ser considerado para todos os pacientes sem contraindicações.
Alternativas ao tratamento com Terlipressina
Como alternativa à terlipressina, podem ser usados outros vasoconstritores, não análogos da vasopressina, como a noradrenalina (NAD) ou a combinação de midodrina (agonista α- adrenérgico) e octreótideo.
Outra opção interessante e recém publicada no guideline de cirrose descompensada é fazer a infusão contínua de 2mg/dia. Dessa forma, a redução na pressão portal se mantém mais constante, e por reduzir a dose diária de terlipressina são reduzidos os efeitos colaterais.
-Noradrenalina: não há dose definida, sendo que o alvo é aumentar a pressão arterial média em 10 a 15mmHg (o 4estudo que aprovou usou de 0,5 a 3 mg/h). Ver link sobre Noradrenalina
-Octreotide + Midodrina: resultado inferior aos anteriores, só deve ser considerado como opção se os terlipressina e noradrenalina indisponíveis.
Referencias bibliográficas
Fhttp://genmedicina.com.br/2018/12/18/sindrome-hepatorrenal-novos-criterios-diagnosticos-dr-igor-denizarde/
http://sbhepatologia.org.br/pdf/8.pdf
https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/5339/1/4840_9622.pdf
https://pebmed.com.br/cirrose-na-emergencia-como-manejar-as-principais-complicacoes-parte-4/
http://sbhepatologia.org.br/wp-content/uploads/2017/12/Diretriz-SBH-AKI.-FINAL.pdf
https://www.emergenciausp.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Protocolo-de-Atendimento-da-S%C3%ADndrome-Hepatorrenal-HC-FMUSP.pdf
https://www.tadeclinicagem.com.br/guia/387/novo-consenso-de-sindrome-hepatorrenal/