Sedação e analgesia em pacientes em ventilação mecânica
Consideração inicial
A sedação e analgesia em pacientes intubados exigem cuidados específicos. Entenda como utilizar corretamente fentanil, propofol e midazolam para garantir um tratamento seguro e eficaz.
Até 90% dos pacientes intubados necessitam de opioides para controle de dor e cerca de 70% requerem sedação em algum momento . O controle adequado da dor e a manutenção de níveis seguros de sedação reduzem complicações como delirium e encurtam o tempo de ventilação mecânica. Este tópico revisa as metas de sedação, como implementá-la e quais os principais medicamentos utilizados para esse fim
Meta de analgesia e sedação
Analgesia
Dor é comum em pacientes de UTI. O padrão-ouro de avaliação é sempre o relato do paciente. Muitos pacientes não conseguem se comunicar por rebaixamento do nível de consciência, sendo necessário usar instrumentos específicos para avaliar dor, como a Behavioral Pain Scale (BPS). Apesar de útil, a BPS pode superestimar a dor, pois as manifestações observadas (expressão facial, movimentos dos membros e interação com o ventilador) podem derivar de outras causas, como assincronias com o ventilador e delirium.
Behavioral pain scale (BPS)
Sedação
A sedação é frequentemente necessária para controlar ansiedade e agitação, mas deve ser utilizada na menor dose eficaz para evitar prolongamento da ventilação mecânica e internação. Deve-se definir uma meta de sedação nas primeiras 24 a 48 horas. A escala Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS) é a mais empregada. Geralmente, uma meta de sedação leve (RASS 0 a −2) reduz o tempo de intubação sem aumentar riscos quando comparada à sedação profunda (RASS −4 a −5).
Richmond Agitation Sedation Scale (RASS)
Existem algumas situações em que se considera sedação profunda inicialmente:
Pacientes neurocríticos com hipertensão intracraniana.
Estado de mal epiléptico refratário.
Uso de bloqueadores neuromusculares.
Mesmo nesses casos, recomenda-se manter a sedação profunda pelo menor tempo possível e reavaliar o nível neurológico assim que as condições clínicas permitirem.
Medicamentos para sedação
Propofol:
O propofol é a primeira escolha para iniciar a sedação após a intubação devido ao seu tempo de ação rápido e meia-vida curta.
Diluição: É realizado puro.
Concentração: ampola contém 10 mg/mL
Nessa concentração a dose inicial sugerida é: 5 mL/hora.
💉 Apresentação e diluição
Ampolas ou frascos de 10 mg/mL (1%) – já pronto para uso.
Não precisa diluir, pode ser infundido diretamente pela bomba.
É emulsão lipídica → exige uso de equipo exclusivo e trocas a cada 12 h para reduzir risco de infecção.
⚖️ Dose para sedação contínua (adultos em VM)
Início: 5–10 µg/kg/min.
Manutenção: 5–50 µg/kg/min (0,3–3 mg/kg/h).
Titular conforme objetivo de sedação (RASS ou Ramsay).
Evitar doses acima de 4 mg/kg/h (>67 µg/kg/min), devido ao risco de síndrome da infusão de propofol (PRIS).
⚡ Bolus inicial (opcional, usado com cautela)
0,5–1 mg/kg IV lento, se precisar de sedação rápida.
⚠️ Pode causar hipotensão grave, principalmente em pacientes com instabilidade hemodinâmica → em UTI, muitas vezes se prefere iniciar apenas a infusão contínua, sem bolus.
🧪 Observações importantes
Efeitos adversos principais: hipotensão, bradicardia, depressão respiratória (se usado fora de VM), hipertrigliceridemia.
Monitorar:
Pressão arterial e FC.
Nível de sedação.
Triglicerídeos se infusão prolongada (>48h).
Evitar em pacientes com hipotensão grave ou choque não controlado.
Lembrar que é calórico (1,1 kcal/mL), impactando balanço nutricional em uso prolongado.
Além de ser eficaz, o propofol oferece um efeito protetor neurológico, especialmente útil para pacientes neurocríticos.
Contudo, é importante estar atento aos possíveis efeitos colaterais, como:
hipotensão, cardiodepressão, aumento significativo dos níveis de triglicerídeos (o que pode resultar em pancreatite aguda).
Midazolam
O midazolam é outro agente sedativo utilizado, para uma administração segura, é recomendada:
💉 Diluição do midazolam
Apresentação usual: ampolas de 5 mg/mL (5 mL = 25 mg) ou ampolas de 15 mg/3 mL (5 mg/mL).
Recomenda-se diluir para facilitar ajuste da bomba de infusão.
👉 Exemplo de diluição padrão:
Adicionar 50 mg de midazolam (10 mL) em 40 mL de SG 5% ou SF 0,9% → volume final = 50 mL.
Concentração final = 1 mg/mL.
Isso permite cálculo fácil na bomba (1 mL/h = 1 mg/h).
Nessa concentração a dose inicial sugerida é: 5 mL/hora.
Estudos recentes indicam que o uso prolongado de benzodiazepínicos, como o midazolam, pode aumentar o tempo em ventilação mecânica e o risco de delírio, especialmente em doses altas e prolongadas.
⚖️ Dose para sedação contínua
Adultos em ventilação mecânica:
Bolus inicial (se necessário):
0,01 – 0,05 mg/kg IV lento (máx. 2,5–5 mg por vez).
Evitar bolus frequentes, pois podem causar hipotensão/bradicardia.
Dose de manutenção: 0,02 – 0,1 mg/kg/h
(Ex.: paciente 70 kg → 1,4 a 7 mg/h).
Em prática, geralmente inicia-se em 2 mg/h e titula conforme sedação desejada (avaliada com escala RASS ou Ramsay).
Cálculo para 70 kg (solução 10 mg/mL)
Converter dose para mg/h:
0,3 mg/kg/h × 70 kg = 21 mg/h
3 mg/kg/h × 70 kg = 210 mg/h
Converter para mL/h (10 mg/mL):
21 mg/h ÷ 10 = 2,1 mL/h
210 mg/h ÷ 10 = 21 mL/h
🧪 Observações importantes
Monitorar sempre pressão arterial, frequência cardíaca e nível de sedação.
Ajustar dose se houver choque, insuficiência renal ou hepática (risco de acúmulo).
Pode ser associado a opioide (ex.: fentanil) para sedoanalgesia.
Para sedação prolongada, considerar risco de acúmulo e delirium, e avaliar alternativas (propofol, dexmedetomidina)
Dexmedetomidina
A dexmedetomidina é um agonista alfa-2 adrenérgico utilizado na sedação. Tem ação sedativa, hipnótica, ansiolítica e analgésica reduzindo a atividade simpática. Não produz depressão respiratória significativa e o paciente desperta rapidamente atendendo ordens com facilidade. Seu papel como agente sedativo em pacientes graves ainda requer maiores estudos, visto que seu uso prolongado ainda não é totalmente aceito.
• Farmacocinética: inicio de ação até 6 minutos Meia vida de eliminação 2 horas
A Dexmedetomidina (Precedex®), muito usada em sedação contínua em UTI e pós-IOT:
💉 Apresentação
Frascos de 200 µg/2 mL (100 µg/mL).
Precisa ser sempre diluída antes da infusão contínua.
🔹 Diluição padrão recomendada
Diluir o frasco de 200 µg (2 mL) em SF 0,9% ou SG 5% perfazendo cerca de 50 mL.
Concentração final = 4 µg/mL. 👉 Assim, 1 mL/h = 4 µg/h.
Dose de ataque (opcional, em UTI quase nunca se faz): 1 µg/kg em 10 min (⚠️ risco de bradicardia e hipotensão).
Manutenção: 0,2 – 0,7 µg/kg/h (máx. 1,4 µg/kg/h em alguns protocolos).
Ex.: paciente 70 kg → 14 a 49 µg/h = 3,5 a 12,3 mL/h (com solução 4 µg/mL)
🧪 Observações
Não causa depressão respiratória significativa → vantagem sobre midazolam e propofol.
Efeitos adversos principais: bradicardia e hipotensão, especialmente na presença de hipovolemia e tônus adrenérgico exacerbado.
Muito útil para sedação leve a moderada, despertar cooperativo, desmame de ventilação mecânica e prevenção de delirium.
Cetamina
A cetamina é uma opção muito útil para sedação contínua após IOT, principalmente em pacientes instáveis hemodinamicamente (porque tende a preservar a pressão arterial e até aumentar a FC e PA por estimulação simpática).
💉 Apresentação e diluição
Ampolas comuns: 50 mg/mL (às vezes 10 mg/mL).
Para sedação contínua, recomenda-se diluir para facilitar ajuste.
👉 Exemplo prático:
Retirar 500 mg (10 mL de 50 mg/mL) e diluir em SG 5% ou SF 0,9% até 50 mL.
Concentração final = 10 mg/mL.
Assim, 1 mL/h = 10 mg/h.
⚖️ Dose em adultos (sedação/analgesia em UTI)
Infusão contínua: 0,5 – 2 mg/kg/h
Ex.: paciente 70 kg → 35 a 140 mg/h = 3,5 a 14 mL/h (se solução 10 mg/mL).
Bolus inicial (se necessário): 0,5 – 1 mg/kg IV lento (mas cuidado, pode causar aumento de secreções ou fenômenos psicomiméticos se não associado a benzodiazepínico).
🧪 Observações
Vantagens:
Mantém drive respiratório em doses baixas.
Preserva ou aumenta PA/FC (bom em choque).
Tem efeito analgésico, diferentemente de propofol e midazolam.
Efeitos adversos:
Alucinações ou delírios (menos quando associada a benzodiazepínico ou propofol).
Hipersalivação/broncorréia → pode precisar de anticolinérgico (ex.: atropina).
Pode aumentar pressão intracraniana e intraocular (relativo).
Etomidato
É uma droga segura do ponto de vista cardiovascular, com um bom efeito hipnótico, porém com meia-vida curta, cerca de 3-5 min. Sua indicação basicamente se resume à indução para a realização da intubação oro-traqueal, visto que seu uso prolongado está relacionado com o desenvolvimento de insuficiência supra-renal. Mesmo essa indicação hoje é motivo de controvérsia.
O etomidato é um hipnótico usado principalmente para indução rápida (RSI) em IOT, não para sedação contínua.
💉 Apresentação
Ampolas de 2 mg/mL (20 mL = 40 mg, por exemplo).
Solução já pronta para uso IV.
⚡ Uso principal: Indução para intubação
Dose usual: 0,2 – 0,3 mg/kg IV em bolus lento (30–60 seg).
Ex.: paciente 70 kg → 14 – 21 mg IV (≈ 7–10 mL da solução 2 mg/mL).
Vantagem: estável hemodinamicamente, boa opção em pacientes com choque ou instabilidade cardiovascular.
Limitação: não fornece analgesia → deve ser associado a opioide (fentanil, remifentanil) ou outro analgésico.
🧪 Infusão contínua (não é rotina)
O etomidato não é recomendado para sedação contínua em UTI por risco de supressão adrenal (inibe 11β-hidroxilase, bloqueando síntese de cortisol e aldosterona). Quando estudado em sedação prolongada, usou-se 0,01–0,1 mg/kg/h, mas atualmente não se indica para esse fim.
⚠️ Efeitos adversos importantes
Analgesia em Pacientes Intubados
A analgesia é um componente essencial no manejo de pacientes intubados, aliviando a dor e o desconforto.
Fentanil
O fentanil é amplamente utilizado devido à sua potência, sendo 100 vezes mais potente que a morfina.
Nessa concentração a dose inicial sugerida é: 2 mL/hora.
No entanto, doses altas e prolongadas podem levar a efeitos adversos, como acúmulo lipídico e despertar prolongado, exigindo monitoramento rigoroso.
• Farmacocinética: início de ação em menos de 1 min. Duração de ação: 30 a 60 min. Eliminação hepática.
• Posologia: 25 a 100 mcg. (0,7 a 2mcg/kg) EV em bolus ou 50 a 500 mcg/h, contínuo.
A diluição do fentanil para sedação/analgesia contínua em UTI:
💉 Apresentação
Ampolas: geralmente 50 µg/mL ou 100 µg/mL.
Pode ser diluído para facilitar cálculo na bomba de infusão.
🔹 Diluição prática comum
Diluição: 20 mL de Fentanil 50 µg/mL em 80 mL de Soro Fisiológico 0,9%.
Concentração: 10 mgc/mL
Objetivo: 1 mL/h = 10 µg/h (fácil cálculo).
⚖️ Dose de infusão contínua em adultos (analgesia/sedoanalgesia)
0,5 – 2 µg/kg/h (algumas fontes usam 1–2 µg/kg/h)
Ex.: paciente 70 kg → 35 a 140 µg/h
Se solução 10 µg/mL → 3,5 a 14 mL/h
• Efeitos adversos: miose, bradicardia vagal, hipotensão, rigidez muscular, rápido desenvolvimento de tolerância, depressão respiratória, náuseas, vômitos, íleo, espasmo vias biliares, retenção urinária. Efeito prolongado na insuficiência hepática. Associação com diazepínicos aumenta o risco de depressão cardiorespiratória.
🧪 Observações
Ajustar conforme analgesia desejada e sedação concomitante (midazolam/propofol).
Monitorar PA, FC e depressão respiratória.
Para analgesia em ventilação mecânica, dose inicial baixa e titulação lenta.
Pode ser combinado com benzodiazepínico ou propofol para sedoanalgesia
Fontes
https://www.tadeclinicagem.com.br/blog/como-gerenciar-a-sedacao-apos-intubacao/
https://www.tadeclinicagem.com.br/guia/399/sedoanalgesia-no-paciente-intubado/
https://www.saudedireta.com.br/docsupload/1334746904protocolo_sedacao.pdf