queenm med blue red2.png

Tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca

Considerações iniciais

O tratamento da ICFEr baseia-se em uma abordagem terapêutica multidisciplinar, que inclui medidas não medicamentosas e o uso de medicamentos com eficácia comprovada na redução da mortalidade e da morbidade, tendo em vista o aumento da sobrevida, redução da hospitalização e a melhora dos sintomas. 

Conforme a nova diretriz de 2024 e as práticas internacionais, existe uma hierarquia clara de terapias farmacológicas:

 

Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA)

Os IECA, como enalapril e captopril disponíveis no SUS, representam, sem dúvida, a pedra angular no tratamento da ICFEr. Esses medicamentos, além disso, reduzem a resistência vascular ao bloquearem a conversão de angiotensina I em angiotensina II, o que diminui a vasoconstrição e a retenção de sódio. O uso de IECA também está associado à redução da mortalidade e à melhora dos sintomas de insuficiência cardíaca.

Entre os principais eventos adversos, destacam-se a tosse, hipotensão, insuficiência renal, hipercalemia e angioedema, tornando-se, assim, necessário uma avaliação clínica e monitorização constante da função renal e eletrólitos.

 

Antagonistas dos receptores de angiotensina II (ARA II)

Para pacientes sintomáticos que não toleram os IECA, geralmente devido à tosse crônica, os antagonistas dos receptores de angiotensina II, como losartana e valsartana, representam, assim, uma alternativa eficaz. Além disso, esses medicamentos atuam bloqueando os receptores de angiotensina II diretamente, oferecendo, portanto, benefícios semelhantes aos IECA na redução de mortalidade e hospitalizações.. 

Em contrapartida, não se recomenda a combinação de ARA II e IECA em pacientes com IC, devido ao risco de piora da função renal. A Losartana é o único antagonista do receptor da angiotensina II disponível no SUS.

 

Inibidores da neprilisina e do receptor de angiotensina (ARNI)

A combinação de sacubitril/valsartana, conhecida como ARNI, foi recentemente incorporada ao tratamento da ICFEr devido à sua superioridade em relação aos IECA na redução da mortalidade e das hospitalizações. A sacubitril inibe a neprilisina, uma enzima responsável pela degradação de peptídeos natriuréticos, enquanto a valsartana bloqueia os receptores de angiotensina II.

Sacubitril valsartana é uma combinação de dois medicamentos que são indicados para pacientes com insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção reduzida.  Ela geralmente substitui IECA ou ARA II em pacientes com menos de 75 anos, fração de ejeção < 35%, e sintomas persistentes, com tratamento otimizado. Além disso, a dose inicial é ajustada gradualmente até a dose alvo de 200 mg duas vezes ao dia, com monitoramento regular da função renal e pressão arterial.

O medicamento é geralmente bem tolerado, com efeitos adversos como hipotensão e tontura. Não deve ser combinado com IECA ou ARA II devido ao risco de angioedema. 

 

Betabloqueadores

Betabloqueadores são indicados para pacientes com insuficiência cardíaca (IC) de fração de ejeção reduzida, tanto sintomáticos quanto assintomáticos, e podem ser administrados juntamente com inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA). 

Os principais betabloqueadores são bisoprolol, succinato de metoprolol e carvedilol, sendo que apenas os dois últimos estão disponíveis no SUS. O tratamento é iniciado com doses baixas em pacientes compensados e é ajustado gradualmente. 

Quedas na pressão arterial e frequência cardíaca são aceitáveis se o paciente estiver assintomático, e betabloqueadores como propranolol e atenolol não são recomendados, pois não foram adequadamente estudados em IC.

 

Antagonistas dos receptores de mineralocorticoides (ARM)

A espironolactona e a eplerenona são, portanto, recomendadas para pacientes que permanecem sintomáticos, apesar do uso de IECA e betabloqueadores. Além disso, esses medicamentos atuam bloqueando os efeitos deletérios da aldosterona, consequentemente reduzindo a retenção de sódio e o remodelamento cardíaco adverso. Além disso, estão associados a uma redução significativa na mortalidade cardiovascular.

Hidralazina e nitrato de isossorbida

A combinação de hidralazina e nitrato de isossorbida foi o primeiro tratamento vasodilatador com benefícios prováveis para insuficiência cardíaca (IC) nos anos 1980. Atualmente, é indicada para pacientes que não toleram IECA ou ARA II devido a hipercalemia ou perda de função renal, sendo iniciada com doses baixas e ajustadas gradualmente. 

Também pode ser usada em pacientes nas classes III e IV da NYHA, apesar de tratamento otimizado. O maior benefício é observado em pacientes negros, enquanto as evidências são menos consistentes para a população não negra.

 

Digoxina

O uso da digoxina é, portanto, indicado para pacientes que permanecem sintomáticos, mesmo com tratamento otimizado para insuficiência cardíaca. No entanto, a digoxina tem uma janela terapêutica estreita e pode, consequentemente, causar efeitos tóxicos, como arritmias, distúrbios gastrointestinais e visuais.

Recomenda-se doses baixas, com ajuste cauteloso conforme necessário. Dessa forma, a monitorização dos níveis séricos é importante para ajuste de dose ou suspeita de intoxicação. Deve-se ter cuidado ao prescrever para pacientes com função renal comprometida, baixo peso, idosos ou com dificuldades em seguir a medicação, iniciando com doses reduzidas para garantir segurança e eficácia.

 

Diuréticos

Os diuréticos são eficazes no tratamento da congestão, mas não há evidências para seu uso em pacientes sem sintomas. Assim, prefere-se os diuréticos de alça, como a furosemida, por sua diurese mais intensa e curta, e os combina com diuréticos tiazídicos, como a hidroclorotiazida, em casos de congestão resistente. 

Os pacientes podem, além disso, ajustar a dose com base nos sintomas e no monitoramento do peso e sinais de congestão. Por outro lado, é importante acompanhar regularmente a função renal e eletrólitos, como potássio, sódio e magnésio, uma vez que há possíveis interações medicamentosas.


 

Tratamento não medicamentoso para insuficiência cardíaca

Autocuidado e equipe Interdisciplinar:

  • O autocuidado envolve hábitos saudáveis como adesão à medicação, prática de exercícios, dieta, controle de peso, monitoramento de sintomas e gerenciamento de fluidos.
  • Uma equipe interdisciplinar é essencial para reduzir a morbimortalidade e melhorar a qualidade de vida dos pacientes com insuficiência cardíaca (IC).

Atividade física:

  • Exercício aeróbico é seguro e reduz mortalidade e hospitalizações, sendo indicado para pacientes estáveis.
  • Deve-se personalizar o tratamento, com apoio de reabilitação cardíaca e supervisão médica. Pacientes mais graves ou com certas condições não devem realizar exercícios aeróbicos sem supervisão.

Restrição Hidrossalina:

  • Preconiza-se a restrição de líquidos apenas para pacientes com congestão persistente ou classe funcional avançada.
  • Quanto à ingestão de sódio, recomenda-se uma dieta normossódica, com cerca de 7 g de sal/dia. Dietas com muito ou pouco sal podem trazer resultados negativos.

Controle de peso corporal:

  • O excesso de peso agrava os sintomas da IC, mas há um “paradoxo da obesidade,” onde pacientes com IMC entre 30-35 kg/m² apresentam menor mortalidade.
  • Deve-se orientar a redução de peso para pacientes com IMC acima de 35 kg/m², enquanto aqueles com IMC abaixo dessa faixa não necessitam de orientação para perda de peso, exceto se houver outras condições.

Imunização:

  • A vacinação contra influenza é recomendada e reduz internações por pneumonia. As vacinas contra pneumococos e COVID-19 também são indicadas, apesar de haver evidências menos consistentes para IC.

 

Dispositivos implantáveis

Pacientes com ICFEr que não respondem adequadamente ao tratamento farmacológico podem ser candidatos ao uso de dispositivos implantáveis, como:

  • Cardiodesfibrilador implantável (CDI): Recomendado para pacientes com fração de ejeção inferior a 35% e com risco elevado de arritmias ventriculares fatais. Além disso, o CDI detecta e trata arritmias potencialmente letais, prevenindo a morte súbita.
  • Terapia de Ressincronização Cardíaca (TRC): Indicada para pacientes com dissincronia ventricular, como o bloqueio de ramo esquerdo, e fração de ejeção reduzida. Assim, a TRC melhora a coordenação das contrações ventriculares, aumentando a eficiência do bombeamento cardíaco.

 

Cirurgia e transplante cardíaco

Primariamente, indica-se a revascularização miocárdica para pacientes com doença coronariana significativa, especialmente em casos de angina refratária e isquemia miocárdica documentada. Em casos avançados de ICFEr, quando todas as opções terapêuticas falharam, considera-se o transplante cardíaco.

 

Fontes

https://sanarmed.com/nova-diretriz-insuficiencia-cardiaca-poscardio/