Quando suspeitar e como realizar a investigação de fibromialgia?
Considerações iniciais
A fibromialgia deve ser suspeitada em todo paciente com dor crônica generalizada há pelo menos 3 meses, sem outra causa identificada, especialmente se associada à fadiga, distúrbios do sono, depressão e alterações cognitivas. O diagnóstico da fibromialgia é clínico, feito a partir da anamnese, do exame físico e da avaliação de comorbidades.
Na anamnese, é importante questionar tempo de evolução e localização da dor, sintomas associados (fadiga, cefaleia, dor abdominal), qualidade do sono, sintomas de saúde mental, alterações cognitivas (memória, raciocínio) e investigações e tratamentos já realizados. Distúrbios do sono são reportados em cerca de 90% dos pacientes com fibromialgia e manifestam-se, geralmente, com cansaço ao acordar e sonolência diurna. A insônia, entretanto, não é comum. Depressão ou ansiedade costumam estar presentes em cerca de 86% dos pacientes.
No exame físico, deve ser realizada avaliação articular, buscando sinais como edema e deformidades, bem como avaliação neurológica de força e sensibilidade. O exame físico também deve incluir a palpação de múltiplas musculaturas, realizando pressão leve (suficiente para branquear o leito ungueal do dedo do examinador) para avaliar as regiões dolorosas.
Figura 1 – Regiões para auxiliar na avaliação da dor difusa
O diagnóstico da fibromialgia compreende uma avaliação das regiões acometidas por dor, da intensidade do sintoma, dos sintomas associados e do tempo de evolução. A contagem de pontos dolorosos não é mais utilizada como critério diagnóstico. Atualmente, utilizam-se os critérios revisados em 2016 do Colégio Americano de Reumatologia (ACR) para classificação e diagnóstico de fibromialgia, que define a dor generalizada como critério obrigatório e elimina a necessidade de excluir outras doenças para o diagnóstico da fibromialgia.
Quadro 1 – Critérios de classificação e diagnóstico da fibromialgia propostos pelo Colégio Americano de Reumatologia (2016)
Paciente preenche critérios diagnósticos de fibromialgia se todas as condições forem atendidas:
A. IDG ≥ 7 e EGS ≥ 5; ou IDG entre 4 e 6 e EGS ≥ 9.
B. Dor generalizada, definida como dor em, pelo menos, 4 das 5 regiões abaixo, deve estar presente.
C. Os sintomas estão presentes há pelo menos 3 meses.
D. O diagnóstico de fibromialgia é válido independentemente de outros diagnósticos. O diagnóstico de fibromialgia não exclui a presença de outras doenças clinicamente importantes.
Índice de dor generalizada (IDG – escore de 0 a 19):
número de áreas onde teve dor nos últimos 7 dias (cada área corresponde a 1 ponto).
Escala de gravidade de sintomas (EGS – escore de 0 a 12):
soma da pontuação dos itens a + b.
a) Gravidade de sintomas (0 a 9):
nos últimos 7 dias. Cada sintoma pode pontuar de 0 a 3.
TOTAL = _____
Ausente (0 pontos)
Alterações leves/ intermitentes (1 ponto)
Sintomas moderados consideráveis, frequentes (2 pontos)
Sintomas graves, contínuos, que prejudicam a vida diária (3 pontos)
Fadiga - Sintomas cognitivos - Sono não restaurador
b) Sintomas com os quais o paciente se sentiu incomodado nos últimos 6 meses (0 a 3):
cada sintoma presente corresponde a 1 ponto.
TOTAL = _______
Cefaleia - Dor ou cólica abdominal - Depressão
Exames complementares
Exames complementares devem ser solicitados na suspeita de diagnóstico alternativo ou concomitante à fibromialgia, não havendo exames específicos que confirmem o diagnóstico. Para exclusão de outras causas ou para avaliação de doenças concomitantes, a abordagem inicial inclui solicitação de velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa, hemograma completo, TSH, CPK (creatinoquinase) e testes rápidos ou sorologias virais para HIV, hepatite B e hepatite C. Não se recomenda realizar exames de fator antinuclear (FAN) e fator reumatoide na avaliação do diagnóstico diferencial, a menos que estejam presentes sinais ou sintomas sugestivos de doenças articulares autoimunes, como sinovite.
🔍 Diagnósticos diferenciais principais
1. Doenças reumatológicas
Artrite reumatoide inicial
Lúpus eritematoso sistêmico (LES)
Síndrome de Sjögren
Espondiloartrites (espondilite anquilosante, artrite psoriásica)
Polimialgia reumática
Miosites inflamatórias
👉 Essas doenças podem cursar com fadiga, mialgia e artralgia difusas, mas geralmente apresentam sinais inflamatórios, autoanticorpos positivos ou alterações laboratoriais (o que não ocorre na fibromialgia).
2. Doenças endócrinas/metabólicas
Hipotireoidismo
Hiperparatireoidismo
Deficiência de vitamina D
Diabetes mellitus (neuropatia diabética)
3. Doenças neurológicas
Esclerose múltipla
Miastenia gravis
Neuropatias periféricas (diabética, alcoólica, carencial)
Síndrome das pernas inquietas
4. Transtornos psiquiátricos
Depressão maior
Transtornos de ansiedade
Somatização / transtorno somatoforme
5. Outros quadros de dor crônica
Síndrome da fadiga crônica
Síndrome miofascial (dor localizada em pontos gatilho, diferente da dor difusa da fibromialgia)
Síndrome do intestino irritável
Dor musculoesquelética crônica por osteoartrite ou lombalgia
Fontes
https://telessauders.ufrgs.br/perguntas/quando-suspeitar-e-como-realizar-a-investigacao-de-fibromialgia
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC7230253/
https://sanarmed.com/novas-diretrizes-para-o-diagnostico-de-fibromialgia-colunistas/